MATAR – pelo menos as saudades (dos centros comerciais)
Por Alexandre Honrado
Jean Baudrillard é um nome que a poucos dirá alguma coisa e a esses poucos só a vergonha de não saberem mais sobre a sua figura leva a admitir que sabem de quem se trata. Era um estudioso da cultura, essa coisa estranha que não passará, afinal, de um somatório de usos e costumes humanos, para usarmos uma ideia de Voltaire, usos e costumes nem sempre abonatórios daquilo que somos, nem da forma como agimos e sobretudo distante do que nos seria benéfico se sentíssemos bem e para o bem comum.
Jean Baudrillard era francês e a figura mais completa do chamado pós-modernismo europeu; filósofo, sociólogo, sem a popularidade de muitos e com o extraordinário atrativo de ser um não alinhado, agindo à margem de sistemas de convenções, peixe graúdo do pensamento capaz de, contra corrente, chegar ao seu destino sem parar em margens intelectuais que lhe pedissem cedências e banalidades.
Quando se oferece aos alunos a possibilidade de inclui-lo nas suas leituras, muitos fazem o que é apanágio da cultura atual: deixam para um dia de calendário desconhecido o esforço de conhecê-lo e leem, na melhor e mais otimista das hipóteses, um resumo sugerido pelo motor de busca, para depois o deitar ao esquecimento. Mas quem andou pela cidade de Lisboa com atenção ou foi à praia da Fonte da Telha, talvez se recorde de um francês entusiasmado e muito culto que tinha, perdoem o trocadilho, o culto de Portugal – embora Portugal passasse por ele sem saber quem era, de onde vinha, o que podia ganhar em conhecê-lo. Por falar em cultura, era um agricultor de palavras e ideias e semeava-as com um rigor de camponês em terreno próprio, embora fosse, repita-se, um marginal entre os alinhados, e isso, obviamente, ditou a sua impopularidade. Isso e não ter um sistema rígido para aprisionar o seu vastíssimo pensamento.
Alguns eleitos, por cá, conheciam-no de França, como o filósofo português José Gil que reconheceu Braudillard como espectador atento das suas intervenções no Collège Internationale de Philosophie, em Paris, nos anos 80. Outros conheciam-no do Bairro Alto (ele morava em Alfama) ou das margens do nosso imenso e libertador, formoso mar (parafraseando, ou melhor ainda, adaptando a frase de Pasolini).
Baudrillard que afirmou que a guerra do Golfo nunca existiu e que foi uma bem orquestrada encenação dos meios audiovisuais, teria muito a dizer desta pandemia nestes nossos anos 20 que vivemos com a ameaça invisível de um inimigo fatal e inexplicado. É que não havia tema que não o interessasse, da política mundial ao Big Brother. Infelizmente deixou-nos, em março de 2007. Defendeu uma tese que intitulou O Sistema dos Objectos, onde discorre sobre a sociedade de consumo.
Tudo o que fazemos incorpora um significado social e Baudrillard põe-nos a nu quando nos descreve na nossa relação com o consumo, com essa simbologia negativa da aquisição que justifica uma das saudades provocadas pelo confinamento: temos saudades das grandes superfícies e dos centros comerciais, como de um parente que não abraçamos há alguns meses. Foi só por isto que Baudrillard me surgiu agora na memória, uma entre muitas, boas, recordações, evocando como se referia ao modelo universalista desses espaços (os mais dinâmicos centros culturais?) como a síntese de uma neo-cultura generalizada.
Somos movidos por lógicas imateriais e imaginárias. Temos até saudades daquilo que não podemos ter?
Baudrillard escreveu um livro com esse mesmo título – Sociedade de Consumo. E estamos lá todos, a ver as montras, idealizando vidas.
William James, o primeiro professor de psicologia dos Estados Unidos, disse que “o pensamento é o pensador”. Eu? Eu não digo mais nada.
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